Aprovado dia 12 na Câmara dos Deputados e na quarta-feira (19) pelo Senado Federal, o projeto ficha limpa chega ao final da tramitação bem mais ineficaz do que a proposta formulada pelo 1,6 milhão de assinaturas que sustentaram a sua apresentação ao parlamento. A ideia era de que, uma vez condenado, o indivíduo ficasse automaticamente impedido de candidatar-se. Mas os deputados e senadores, parte deles diretos interessados no assunto, (r)emendaram a proposta, tornando hoje inelegíveis apenas aqueles que estejam condenados por um colegiado de juízes. Na prática, os condenados pela justiça local continuam elegíveis e só quem tiver as sentenças confirmadas em segunda instância, nos tribunais, ficará fora. E, mesmo assim, o texto votado deixa dúvida sobre sua aplicabilidade já nas eleições deste ano, uma questão que agora deverá ser decidida pela justiça eleitoral.
Na verdade, o grande foco dos autores do ficha limpa, que era inviabilizar a reeleição de deputados e senadores envolvidos nos escândalos dos mensalões, dos sanguessugas, do dinheiro na cueca e em outras irregularidades de que se tem tido notícia, caiu por terra em razão das casuísticas manobras ocorridas durante a tramitação do projeto pelo Congresso Nacional. Esse clima de impunidade foi, ainda, favorecido pela opinião de parte dos juristas, que entendem inconstitucional a punição através de lei, pois ignora o princípio de que todos devem ser considerados inocentes até que a condenação tenha transitado em julgado, isto é, até quando o réu não tiver mais como recorrer.
Mas, se por um lado a lei aprovada é inócua ou ainda suscita dúvidas quanto à sua aplicação neste ano, entende-se que o fiel da balança devam ser as mãos limpas do partido político, como dono da candidatura e do mandato decorrente das eleições. A esperança da sociedade está agora voltada para os princípios de honestidade a serem manifestados pelas direções partidárias. Se alguém com envolvimento em escândalos, condenado ou não pela justiça, apresenta-se como candidato, o partido pode, valendo-se de um juízo de ordem moral, negar-lhe o registro. E, se todos os partidos assim se comportarem, o meio político estará livre dos ditos fichas sujas.
A representação popular é coisa muito séria. Não pode ser entregue a qualquer um. A administração pública, realizada pelo presidente da República, governadores dos estados e prefeitos dos municípios, é a responsável pela gestão de toda a massa de impostos arrecadada da população, com a qual se deve prestar serviços e promover o bem-estar coletivo. E a atividade legislativa, nos três níveis, tem a finalidade de fiscalizar o que o Executivo faz com os recursos arrecadados do povo. São coisas muito importantes para se entregar a pessoas não confiáveis ou reconhecidamente faltosas ou criminosas. Em lá chegando, elas poderão, em vez de prestar serviços ao povo, cuidar de seus próprios interesses e promover as falcatruas como aquelas que frequentemente se denuncia e motivaram a elaboração do projeto ficha limpa.
Na atual conjuntura, os partidos passam à condição de fiéis da balança. E a sociedade deve ficar atenta para evitar que, por alguma razão, venham a transigir nessa nobre tarefa de saneamento da política nacional.
Dirceu Cardoso Gonçalves/Dirigente da Aspomil (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo)
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