*Muito a seu estilo, o Senado Federal deu uma curva no projeto de iniciativa popular que pretendia afastar dos pleitos os candidatos condenados em processos criminais ou penais-eleitorais. A proposta, que já vinha minguando ao longo da tramitação no Congresso, está praticamente sepultada.
O mais doloroso é o insulto que mais uma vez se faz à inteligência do eleitor. Como a votação se fez inevitável, à vista da pressão popular e do alto custo político de novos adiamentos, encontrou-se uma solução mágica: a emenda “de redação” que alterou o tempo verbal no principal dispositivo do projeto. Sutil feito uma locomotiva; arrasador qual uma gota de veneno.
Trata-se de um estelionato linguístico, patrocinado por uma calejada raposa felpuda, que já fez de tudo um pouco desde a ditadura militar. Com a inocente mudança do tempo do verbo, a nova regra não se poderá aplicar de imediato; na melhor das hipóteses (ou pior, segundo o ponto de vista), valerá para as eleições de 2014.
Não se trata, ao revés do afirmado, de uma simples emenda de redação, daquelas que se introduzem no texto para melhorá-lo gramatical, sintática ou estilisticamente, ou para garantir-lhe maior clareza. A alteração é de substância e repercute direta e imediatamente no vital aspecto do momento a partir do qual a regra pode incidir.
A manobra, conquanto grosseira, permite ao legislador fazer de conta que aprovou o projeto (de iniciativa popular, relevada seja a insistência) e assim livrar-se da cobrança generalizada. E fingir para a plateia, em particular para os autores da iniciativa, que o Legislativo correspondeu à vontade popular.
O apelido de “emenda de redação” dado a uma alteração de substância respondeu à finalidade de evitar que o projeto retornasse à outra Casa do Congresso por efeito de emenda propriamente dita. A inspiração protelatória, não fora o artifício, resultaria por demais escancarada e o povo não a aceitaria. Era preciso, portanto, dourar a pílula.
Postergada a aplicação da lei para momento indefinido no futuro, ninguém terá de preocupar-se com a alvura de sua ficha. O tempo passa, o assunto é esquecido, a norma talvez possa até ser revogada. E ainda uma vez se confirma o que, em momento similar da história brasileira recente, dissera The Economist: os perus nunca votarão a favor do Natal. Zero Hora - Online
Nenhum comentário:
Postar um comentário