sexta-feira, 24 de setembro de 2010

A responsabilidade social do STF




Pode um juiz do mais alto tribunal do país decidir apenas por sutilezas do direito? Será possível não pensar nas conseqüências de seus pareceres e determinações para o conjunto da sociedade?


Andei me fazendo estas perguntas ao acompanhar pelos meios de comunicação a votação pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da aplicação, já nestas eleições, da Lei da Ficha Limpa. A sessão foi suspensa depois de onze horas de debate e um empate na votação: 5 a 5. “Placar de pelada”, segundo comentou o jornalista André Trigueiro, em seu twitter.

A matéria chegou ao STF por meio de um recurso impetrado por Joaquim Roriz, recém-desistente da candidatura ao governo do Distrito Federal. Roriz vai inscrever a esposa para concorrer em seu lugar. Por ter renunciado ao seu mandato de senador pelo Distrito Federal, em 2007, para escapar de processo de corrupção e possível cassação, Roriz não seria elegível, de acordo com a Lei da Ficha Limpa. O Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Distrito Federal e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) impugnaram sua candidatura. Inconformado com tais decisões, ele levou o caso à corte suprema do país.

Esse empate significa que os membros da última instância de apelação da Justiça brasileira não sabem o que decidir quanto a mortalidade infantil, aumento da violência, falta de saneamento básico, déficit de moradias e muitos outros imensos problemas que afetam o país. O adiamento da decisão pode matar muitos brasileiros, que não terão vacina, posto de saúde, segurança pública, emprego. O empate na decisão sobre a Lei da Ficha Limpa significa permissão para que políticos corruptos continuem usando dinheiro público em proveito particular, piorando as condições de vida de todos os brasileiros.

Os ministros Ellen Gracie, Carmen Lúcia, Ricardo Levandowski, Carlos Ayres Brito e Joaquim Barbosa votaram a favor da aplicação da lei já nestas eleições, enquanto os ministros Cezar Peluso (presidente do STF), Celso de Mello, Marco Aurélio de Mello, Gilmar Mendes e Dias Toffoli votaram contra.

Pelo regimento interno da casa, o presidente do STF poderia ter desempatado a votação. Mas, todos os dez membros rechaçaram a possibilidade de a questão ser decidida pelo “voto de qualidade” (de desempate).

Com a falta de consenso, o ministro Peluso suspendeu a sessão e não há previsão de quando a corte voltará a se reunir para decidir sobre o assunto. Com isso – o empate e a não aplicação do “voto de qualidade” –, os candidatos enquadrados na lei poderão disputar as eleições e até ser diplomados, mas perderão os mandatos caso o STF decida-se pela validade da lei para este ano (será?).

É sempre bom lembrar que a Lei da Ficha Limpa é resultado de uma iniciativa popular que, em abaixo-assinado, obteve 1,6 milhão de assinaturas no país inteiro. O documento foi protocolado no Congresso em setembro de 2009 e em junho de 2010 virou lei “legitimada pela vontade popular”, como afirmou o ministro Carlos Ayres Brito, relator do recurso ao STF, que apresentou voto favorável à aplicação da lei já nestas eleições.

As eleições de 2010 estão promovendo uma grande mudança no Brasil, impulsionada pela sociedade civil. Pela primeira vez em nossa história, há uma forte mobilização pela ampliação da democracia e pelo controle social do Legislativo e do Executivo.

Os juízes do STF perderam a chance histórica de tornar a iniciativa popular, mais do que um dispositivo de mudança na legislação, uma ferramenta de controle social da corrupção em todos os segmentos da sociedade.

Aprovar a Lei da Ficha Limpa para estas eleições é permitir que os parlamentares tenham maior compromisso com o país. Que votem a favor dos brasileiros, não de seus doadores de campanha.

Se o STF não cumpriu seu papel, resta a nós decidirmos pela corte suprema do país: vamos votar em candidatos “ficha limpa”. Quem quiser conhecer alguns, entre no site Ficha Limpa (www.fichalimpa.org.br) . Até hoje, apenas 72 candidatos se inscreveram, sendo um à presidência da República, oito ao Senado, cinco a governos estaduais e 59 a deputado federal.

A Lei da Ficha Limpa foi aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente da República em junho deste ano. Segundo ela, fica inelegível, por oito anos a partir da punição, o político condenado por crimes eleitorais (compra de votos, fraude, falsificação de documento público), lavagem e ocultação de bens e improbidade administrativa, entre outros. Também ficam impedidos de concorrer os candidatos condenados por um colegiado de Justiça (mais de um juiz) e aqueles que renunciaram ao mandato para escapar de cassações e que foram cassados pela Justiça Eleitoral por irregularidades cometidas nas eleições de 2006.

O TSE votou pela validade da Lei da Ficha Limpa para políticos condenados antes de sua promulgação e decidiu que ela vale para as eleições deste ano.

Por Oded Grajew, presidente do Instituto Ethos

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