O último barômetro Global de Corrupção, apurado e disseminado pela Transparência Internacional, uma organização social, revela dados preocupantes: seis entre dez pessoas acreditam que a corrupção cresceu nos últimos três anos, e uma de cada duas pessoas acredita que os esforços governamentais para conter a corrupção são ineficazes.
O Índice de Percepção da Corrupção, apurado e disseminado pela mesma instituição, contém resultados para 178 países. Na frente da lista de 2010, com notas próximas de 9 (em uma escala de 0 a 10), ficaram a Dinamarca, a Nova Zelândia e Cingapura. O Brasil ficou em um deplorável 69º lugar, em companhia de El Salvador, Romênia e, atenção, Itália. No fundo da lista ficaram, entre outros suspeitos usuais, a Venezuela, o Iraque e a Somália.
Ao tratar da questão, a mídia de massa costuma operar como se tivesse uma cota anual de capas a preencher com fraudes e escândalos. À publicação, segue-se uma enxurrada de manifestações de cidadãos indignados. Passada a onda, o interesse arrefece, até que outra onda se forme. O espetáculo deve continuar.
É fácil condenar o mau comportamento de grandes empresas e a corrupção no governo. Todos nós conhecemos histórias sobre empresas privadas, públicas e órgãos de governo. A denúncia da corrupção, por jornalistas, e o combate, por promotores e legisladores, usualmente as atribuem às maquinações de mentes criminosas.
Entretanto, um crescente corpo de pesquisa sobre a psicologia do comportamento ético mostra que parte considerável das condutas desviantes, na vida social e na vida profissional, ocorre porque os indivíduos enganam a si mesmos, agindo em interesse próprio. O ilibado cidadão reclamante, a vociferar impropérios contra contraventores de colarinho-branco, de Brasília e outros antros, costuma ele mesmo contribuir para o irritante estado das coisas. Ele não é dado a golpes grandiosos. Sua especialidade são os pequenos feitos, a compra de facilidades, a “lubrificação” do sistema público e o pagamento de favores. Alinha-se com milhares de compatriotas, agindo com inadvertida obstinação na sustentação de discretos parasitas e desenvoltas máfias.
Max H. Bazerman, da Universidade de Harvard, e Ann E. Tenbrunsel, da Universidade de Notre-Dame, parecem ter se encantado com nossos duplos padrões. Seu mais recente livro, Blind Spots: Why We Fail to Do What’s Right and What to Do About It, Princeton University Press, procura, com base em estudos científicos, elucidar por que não somos tão virtuosos como pensamos que somos, mostrar em que situações nós ignoramos comportamentos éticos e explicar por que falhamos nas tentativas de consertar nossas instituições corruptas.
Um texto publicado por Tenbrunsel e David M. Messick, da Universidade Northwestern, no fim dos anos 1990, na prestigiosa revista científica Administrative Science Quarterly, já adiantava a mensagem. Nesse trabalho, os pesquisadores instruíram 56 participantes de um estudo a fazer o papel de fabricantes em um setor altamente poluidor, avisando-os que a empresa encontrava-se sob pressão de grupos ambientalistas. Para evitar o estabelecimento de leis mais restritivas, os fabricantes haviam concordado em investir em equipamentos de controle. Alguns participantes foram informados que receberiam apenas pequenas multas se descumprissem o acordo, enquanto outros foram informados que não sofreriam nenhuma multa.
Contra o senso comum, o primeiro grupo comportou-se pior que o segundo, violando com maior frequência o acordo. A conclusão, confirmada em estudos posteriores, foi que a introdução das multas faz com que os participantes ignorem o dilema ético e passem a decidir apenas em termos financeiros. Ao mesmo tempo, conservam uma autoimagem positiva, pois acreditam estar tomando uma decisão “racional”.
Esse mecanismo psicológico, de “obliteração ética”, faz, segundo os pesquisadores, com que subestimemos nosso comportamento desviante enquanto superestimamos o comportamento desviante dos outros. Sempre que estamos envolvidos, temos nossa posição influenciada por nossos interesses. Isso ajuda a entender por que auditores falham na identificação de irregularidades de seus clientes, por que executivos minimizam problemas causados por suas empresas e por que motoristas não acham nada demais pagar intermediários para limpar sua carteira de habilitação.
Além da riqueza material e do nível de bem-estar social, talvez o que diferencie os países da frente da lista da Transparência Internacional dos países do fundo da lista seja o grau no qual seus cidadãos percebem que “os outros somos nós”. E daí, a capacidade desses cidadãos de reduzir o que Bazerman e Tenbrunsel qualificam, na introdução de seu livro, como hipocrisia moral.
Fonte: Thomaz Wood Jr.
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