segunda-feira, 20 de setembro de 2010
Oficial apontado como líder de esquadrão da morte quer se eleger deputado em Goiás.
Renato Alves - Correio Brasiliense
Além do sequestro e da execução de um fazendeiro e de quatro moradores de Flores de Goiás e Alvorada do Norte, um grupo de oito policiais militares do 16º Batalhão, liderado pelo major Ricardo Rocha Batista, é investigado por matar 15 pessoas em menos de dois anos em Formosa. As vítimas eram jovens, quase todos viciados em algum tipo de droga. Todos morreram com tiros à queima-roupa, ao menos uma bala na nuca, sem demonstrar reação, de acordo com laudos cadavéricos revelados pelo Correio em série de reportagens publicadas desde maio de 2009. Mesmo indiciado pela Corregedoria da corporação, respondendo a inquéritos por homicídio e com a candidatura impugnada pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE), o oficial disputa vaga na Assembleia Legislativa de Goiás.
Material de campanha de Ricardo Rocha a deputado estadual tem o slogan "Tolerância zero contra o crime"
O major e os outros sete PMs foram afastados do trabalho no começo de março último, logo após denúncia da Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Assembleia Legislativa de Goiás. Duas semanas depois, três soldados e um sargento da mesma unidade foram presos sob acusação de envolvimento em crime de pistolagem. Eles seriam os autores do sequestro do fazendeiro José Eduardo Ferreira, 56 anos, assassinado um ano antes. A morte teria sido encomendada por outro produtor rural, com quem a vítima havia brigado por disputa de terras, segundo investigação da Polícia Civil goiana (veja Memória).
Semana passada, o Ministério Público de Goiás pediu a prisão preventiva de Ricardo Rocha em inquérito sobre a morte de um jovem em Rio Verde, quando era o subcomandante do batalhão da cidade do sudoeste goiano. Na última terça-feira, o juiz da 4ª Vara Criminal de Rio Verde, Alexandre Bizzotto, negou o pedido, mas deu continuidade ao processo. O magistrado não viu necessidade da prisão por discordar do MP, que considera o oficial uma ameaça à sociedade. O juiz alegou que Ricardo Rocha é réu primário, pois não tem condenação. Justamente por serem réus primários, quase todos os PMs retornaram ao trabalho, após dois meses afastados. Apenas um continua preso. Ricardo Rocha está licenciado para cuidar da campanha a deputado estadual pelo PRP.
Saiba mais...
Ex-comandante da PM em Formosa é acusado de liderar grupo de extermínio
Documentos da PM detalham milícia a serviço de fazendeiros no Entorno O major responde a outras cinco ações penais, todas por homicídio, sendo outra em Rio Verde — uma chacina com cinco mortes — e quatro em Goiânia. Em um dos processos na capital, Ricardo Rocha aguarda o julgamento. A denúncia mais recente foi protocolada em agosto e o responsabiliza, com outros sete PMs, pela morte, em Goiânia, de um adolescente de 16 anos. Crime ocorrido em 2001, quando ele comandava as Rondas Ostensivas Táticas Metropolitanas (Rotam), época em que a PM mais matou na capital do estado (Veja quadro).
Apoio do governo
Em meio à investigação do Ministério Público goiano sobre esses casos, o major voltou a Rio de Verde. Em seguida, foi para Formosa, terra natal e base eleitoral do então secretário de Segurança Pública de Goiás, Ernesto Roller, deputado estadual pelo PP. Durante as reportagens do Correio sobre as mortes em série em Formosa, Roller sempre se negou a dar entrevista sobre o caso, mas desembarcou no município goiano para sair em defesa do major. Chegou a liderar uma manifestação a favor do comandante do 16º Batalhão, organizada e financiada por fazendeiros da região.
Agora, Roller é candidato a vice-governador do estado na coligação de Vanderlan (PP). Com o apoio do ex-secretário de Segurança Pública, Ricardo Rocha também ingressou na política, mas teve a candidatura a deputado estadual impugnada pela Justiça Eleitoral. Por ter se ausentado de três eleições, o major teve o título de eleitor cancelado e só conseguiu regularizá-lo em abril deste ano, o que é vedado pela lei para registro de candidaturas. Ele recorreu da decisão, mas ela foi mantida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em decisão publicada no último dia 8.
Ricardo Rocha recorreu e continua a campanha, concentrada em Formosa. Com o slogan “Tolerância zero contra o crime” e um emblema de xerife em destaque, cartazes com a fotografia do policial fardado estão por toda a cidade onde foi comandante. Ele também tem o nome e o número de candidato estampados no comitê de Vanderlan e Roller. Caso consiga reverter sua situação na Justiça e acabe eleito, o major ganhará foro privilegiado e atrasará os processos penais a que responde.
Matança em Goiás
O Ministério Público goiano acusa o ex-comandante da PM em Formosa, major Ricardo Rocha, de montar e liderar grupos de extermínio em cidades onde comandou quartéis.
Rio Verde
O major Ricardo Rocha é acusado pelo MP de liderar um grupo de extermínio em Rio Verde, quando era subcomandante do batalhão da cidade do sudoeste goiano. Então capitão, Rocha teria participado da execução de ao menos seis pessoas, segundo investigações do MP. Cinco teriam sido assassinados de uma vez, na beira de um córrego, em 2003. Eram foragidos da cadeia do município, que, sem portar armas, morreram após ser rendidos.
Goiânia
Após a chacina em Rio Verde, Ricardo Rocha foi transferido para Goiânia, onde comandou as Rondas Ostensivas Táticas Metropolitanas (Rotam) de 2003 a 2005, período em que a PM mais matou na capital do estado. De 6 de março de 2003 a 15 de maio de 2005, foram registrados 117 homicídios em Goiânia, cuja autoria é atribuída a PMs, a maioria da Rotam. Das 117 vítimas, 48,7% (57 pessoas) não tinham ficha criminal. Outras 60 (51,3%) eram foragidas da Justiça ou acusadas de algum crime.
Formosa
A matança em Goiânia chamou a atenção do MP, que abriu outra investigação contra Ricardo Rocha. Com a patente de major, acabou transferido para Formosa, onde assumiu o batalhão local. E, justamente enquanto ele esteve no comando, a PM matou como nunca no município a 70km de Brasília. Policiais militares admitem ter tirado a vida de 10 das 48 pessoas assassinadas em 2008 na cidade. Outros cinco casos ocorreram no segundo semestre de 2007. Os PMs alegam confrontos com bandidos armados. A maioria das vítimas não respondia por delitos graves e morreu com ao menos um tiro na cabeça. Em dezembro de 2008, jovens e adolescentes acabaram executados, com tiros na cabeça, por homens encapuzados. Outro caso igual ocorreu em fevereiro de 2009. Em todos, os autores agiram em dupla. Vestidos de preto, usaram pistolas, armas idênticas às restritas à polícia.
Flores de Goiás e Alvorada do Norte
Após reunião com prefeito, vereadores e fazendeiros, o major Ricardo Rocha montou um grupo para patrulhar a área rural e investigar furtos em propriedades das vizinhas Flores de Goiás e Alvorada do Norte. O bando é suspeito de, em 26 de fevereiro último, ter executado um jovem com 28 tiros e matado outros três desaparecidos, em ambos os municípios. A própria Corregedoria da PM de Goiás diz haver provas contra o bando e pede a condenação de todos os 11 supostos envolvidos.
MEMÓRIA
Corpo em cisterna
Os quatro PMs suspeitos de participar da execução de José Ferreira foram presos em 24 de março último, em casa ou no 16º Batalhão da PM de Goiás. A ação ficou por conta do Serviço de Inteligência da corporação, mas o pedido de prisão partiu da Divisão Antisequestro da Polícia Civil. O mandante do crime é Wilson Lopes de Ataíde, segundo a investigação. Ele contratou um pistoleiro porque teria sido agredido com um tapa por José Eduardo, em função de um terreno comprado da vítima.
José Ferreira havia sido visto pela última vez em 10 de março de 2009, quando saiu de casa pela manhã para visitar duas lojas de produtos agropecuários em Cabeceiras de Goiás, a 70km de Formosa. O paradeiro dele permaneceu ignorado até 17 de setembro, quando policiais civis encontraram uma ossada em um poço abandonado em terreno baldio, com 12m de profundidade, na periferia de Formosa.
O local foi apontado por um dos acusados de envolvimento no caso, João Batista Brandão Amerces, 37 anos, preso em julho. Exame feito com base na arcada dentária encontrada na cisterna apontou os restos mortais como sendo os de José Ferreira. João Batista confessou o sequestro da vítima. Em depoimento, testemunhas contaram ter presenciado José Eduardo reagir à abordagem de quatro homens, que seriam os PMs presos.
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