"A edição do DIÁRIO DA MANHÃ do dia 04/11/2011, trouxe em sua página 04, nominada de OPINIÃO (CAFÉ DA MANHÃ), charge de cunho escandalosamente racista e preconceituosa, cuja cópia digital se encontra na mídia que segue em anexo, extraída do próprio site do DIÁRIO DA MANHÃ (http://www.dm.com.br).
A charge mostra a caricatura do Ministro dos Esportes ALDO REBELO, na época recém nomeado para o cargo, com a indicação dos seguintes dizeres: “DEIXA EU ARRUMAR A BAGUNÇA QUE AQUELE SACÍ DE DUAS PERNAS DEIXOU”.
Obviamente, a menção “SACÍ DE DUAS PERNAS” tinha como alvo imediato o ex-ministro dos Esportes ORLANDO SILVA, sabidamente de cor NEGRA, assim como o lendário e folclórico SACÍ-PERERÊ.
Impossível não vislumbrar a enorme carga de preconceito e racismo contida naquela charge. Se referir a alguém que é NEGRO como SACÍ é tão grave como chamar um NEGRO de “MACACO”.
Os veiculadores daquela infeliz charge caminham pela contramão do resto da imprensa mundial, que repudia de forma veemente todo e qualquer ato de racismo e preconceito.
A imprensa esportiva, por exemplo, frequentemente noticia com reprovação a atitude de torcedores, inclusive de outros países, que em clara ação de racismo e preconceito, lançam bananas no campo de futebol em direção a jogadores de cor negra, insinuando que os mesmos são macacos.
Citamos a título de exemplos recentes, os casos de racismo futebolístico noticiados pela internet através dos links abaixo:
1 -http://esportes.terra.com.br/futebol/europeu/2012/noticias/0,,OI5548099-EI18005,00-Torcedor+do+e+Liverpool+e+preso+por+insultos+racistas.html (Título da matéria: Torcedor do Liverpool é preso por insultos racistas).
2 - http://www.parana-online.com.br/canal/automoveis/news/118398/ (Título da matéria: Jogador argentino é preso por racismo no Morumbi).
3 - http://www.gp1.com.br/noticias/jogador-e-preso-em-campo-por-racismo-no-rio-grande-do-norte-31550.html (Título da matéria: Jogador é preso em campo por racismo no Rio Grande do Norte).
No entanto, pra vergonha da imprensa goiana, um de seus maiores Jornais adota em sua redação práticas de racismo e preconceito, mesmo sabendo da ilicitude de sua conduta, certamente contando com a impunidade raramente não vivenciada em relação a crimes de tal natureza.
Insta salientar que somos intransigentes defensores da liberdade de imprensa, que é e deve continuar sendo livre. Livre, porém, no seu primordial papel de informar, e não para cometer ilícitos e disseminar práticas racistas e preconceituosas, assim como se propuseram a fazer os noticiados.
Doutro lado, o combate ao racismo e ao preconceito tem sido ferrenho em praticamente todas as partes do mundo, não faltando mecanismos jurídicos para assim agir, os quais, ao contrário, são fartos, como passaremos a demonstrar.
Inicialmente, o conceito legal de discriminação racial é dado pela Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial de 1965, feita pela ONU e ratificada pelo Brasil em 1968.
Em seu artigo 1º tem-se que a expressão "discriminação racial" significa “toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto ou resultado anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício em um mesmo plano (em igualdade de condição) de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública.”
Em nossa Constituição Federal de 88, artigo 5º, §2º e 3º temos disposição a respeito da incorporação de Tratados Internacionais ao ordenamento jurídico brasileiro.
Ainda tendo por base a Carta Maior, considere-se o seguinte:
● Artigo 5º, incisos XLI e XLII - considera a prática do racismo crime inafiançável, imprescritível e sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.
● Artigo 1º, inciso III - Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é um valor essencial nos países livres.
● Artigo 3º, inciso IV - é um dos objetivos principais da República combater o preconceito e a discriminação.
● Artigo 4º, inciso VIII - reafirma o compromisso da República de combater o racismo em todas as suas manifestações.
Por seu turno, a legislação penal infraconstitucional tipifica atos e condutas consideradas como crime perante o ordenamento jurídico pátrio.
Na Lei 7.716 de 5 de janeiro de 1989 temos tipificados os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, consoante alteração da Lei nº 9.459 de 13 de maio de 1997.
No preâmbulo da Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial tem-se que: "A doutrina da superioridade baseada em diferenças raciais é cientificamente falsa, moralmente condenável, socialmente injusta e perigosa, não existindo justificação para a discriminação racial, em teoria ou na prática, em lugar algum.”
De qualquer forma, se consideramos que o racismo resta superado nos dias de hoje, pergunta-se por que a insistência quanto à discussão desse assunto?
Tal discussão se justifica na necessidade de contemplar que, ainda em nossa realidade, se vê a presença do racismo subsistindo na mentalidade de algumas pessoas, e até mesmo em alguns meios acadêmicos e de comunicação.
Sendo assim, uma vez ou outra nos deparamos com questões relativas à raça, a exemplo do caso ora noticiado.
Voltando a tratar do ordenamento jurídico infringido pelos noticiados, lembramos que a Lei de Combate ao Racismo (Lei 7.716/89) tipifica 20 condutas, variando desde o impedimento ao acesso de pessoas à cargos públicos até o impedimento de crianças e adolescentes à escola.
Nos artigos 1º a 19 são tipificadas condutas de discriminação racial, étnica, religiosa ou procedência nacional (xenofobia).
Esses crimes são imprescritíveis, inafiançáveis e puníveis através de ação penal pública incondicionada.
A partir do artigo 20 dessa lei, teremos a descrição de condutas cuja amplitude é bem maior. Nos artigos anteriores, a ofensa é destinada a sujeitos únicos e determinados, mesmo que de um grupo étnico ou racial.
Os tipos penais descritos no artigo 20 comportam condutas específicas no sentido de serem manifestações racistas.
Haverá ainda a incidência de uma qualificadora para os casos em que essa manifestação se dê por meio de imprensa e também há um procedimento específico para os crimes de racismo, tendo em vista o alcance e poder de ofensividade desses crimes.
Resumindo, é totalmente impossível não vislumbrar o cometimento do crime previsto no art. 20, §2º, da Lei 7.716/89, por parte das pessoas físicas e jurídica preambularmente citadas, as quais devem responder jurídica por suas respectivas condutas.
Importa discutir essa questão como uma forma de resgatar a identidade do povo brasileiro, constituída em boa parte por pessoas negras[1].
Quando se fala em combate ao racismo e aplicação da legislação relativa, o que se quer é o reconhecimento dos negros como cidadãos comuns, com a punição e repressão dos agentes de racismo e a promoção da igualdade étnico-racial.
Mas para que o racismo seja realmente combatido, é preciso haver políticas públicas e resgate de valores, que devem ser veiculados também pela mídia, ressaltando-se a importância da população negra na formação da sociedade brasileira, combatendo com rigor, por outro lado, a imprensa racista que qualifica mais de 15 milhões de brasileiros como sacis.
“SACI”, in casu, não é somente o ex-Ministro ORLANDO SILVA, rotulado como tal simplesmente por conta da cor de sua pele, mas sim, voltamos a frisar, os mais de 15 milhões de brasileiros de cor preta existentes no País, o que desindividualiza a vítima do racismo lançado naquele momento, que na verdade vitimou todos da cor preta, indiretamente rotulados de “SACI” pelos noticiados.
Por fim, somente para reforçar que compete à Justiça Federal o julgamento de casos como os aqui noticiados, competindo consequentemente à Polícia Federal a sua apuração, lembramos que os noticiados não se limitaram a propalar seus atos de racismo somente pela via impressa, pois, além disso, também disponibilizaram o seu conteúdo pela rede mundial de computadores[2], o que, segundo pacífico entendimento jurisprudencial, atrai a competência de julgamento do crime para a Justiça Federal."
[1] O censo 2010 realizado pelo IBGE revelou que o Brasil na época era composto por 15.000.000 (quinze milhões) de pessoas que se declaram da cor preta.
[2] Constam em destaque no cabeçalho da capa do Jornal Diário da Manhã os seguintes dizeres: “DIÁRIO DA MANHÃ – O Jornal do leitor inteligente que o mundo vê e lê pela internet”
A AMAC através de seu advogado, sócio e diretor, Dr. Walber de Almeida Coelho, ofertará a Polícia Federal, notícia crime, com solicitação para apuração do caso e punição dos responsáveis, cujo teor do documento está transcrito acima.
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